Quando adentrei a sala de aula da universidade pela primeira vez, eu estava sedento por conhecimento. Porém, minha ilusão durou pouco. Em menos de uma semana eu ouvi ao menos uma centena de perguntas, dentre as quais, somente umas três eram sensatas. Não é culpa de quem prestou o vestibular, mas dos próprios acadêmicos que definem a filosofia ao seu bel prazer, e da imagem vulgar de uma dialética “non sense” praticada pelos supostos “filósofos” que deixa nas pessoas comuns uma imagem distorcida da filosofia. A cada dez pessoas (externas ao curso) com quem converso, nove acham que na sala de aula discutimos sobre “a cadeiridade da cadeira”, ou seja, a qüididade de uma forma claramente distorcida. Outros, senão os mesmos, crêem veementemente que tudo é relativo, todo pensamento é valido, e não existe conhecimento efetivo acerca de algo; neste caso, reconheço o perspectivismo de Nietzsche depois de atropelado por uma manada de mastodontes.
Houve uma época em que ser filósofo era o mesmo que ser virtuoso. Na Grécia antiga o escravo trabalhava e o senhor tinha todo o tempo que quisesse e aguentasse acordado para filosofar. Mas o filósofo também é humano e precisa se alimentar. Assim sendo, se não tem quem trabalhe para ele, trabalha para se sustentar. E a única coisa que pode fazer para tal é se tornar professor. Mas o real problema surge quando alguns acéfalos pensam que ser professor de filosofia é uma boa profissão para sustentar a esposa e os dezoito filhos.
O acadêmico de filosofia, quanto mais produz (agora temos “cota” de pelo menos dois artigos por ano), mais ganha. E quanto mais discussões se ganha humilhando o adversário, mais brilhante a academia considera o grande pensador.
A filosofia como busca da verdade ficou esquecida em algum lugar do passado, enterrada com os antigos. Com a “filosofia” medieval buscou-se modelar o pensamento de acordo com os dogmas da Igreja, era proibido pensar na não-existência de Deus ou em algo que fosse contra os dogmas da sacrossanta igreja, nem diálogo havia. Mas após a era das trevas, o que noto ao estudar a história da “filosofia” é que sempre que aparece um gênio que nos dá alguma luz, aparece também um paramécio em busca de fama para “refutar” o pensamento do primeiro. Ora, se a filosofia consiste na busca pelo que é verdadeiro, seria mais adequado que os pensadores colaborassem mutuamente para o desenvolvimento do conhecimento, senão da humanidade.
A definição do termo “filosofia” que julgo mais adequada é: conhecimento pré-científico (essa definição será explorada mais adequadamente em uma postagem futura, no momento sirvo-me dela unicamente para melhor ilustrar o que tenho a dizer), cujo principal trabalho é desenvolver definições precisas – pois não se pode pensar sem conceitos – para as diversas ciências e artes. Mas atualmente, na maioria das vezes, ao invés de se utilizar a linguagem como uma importante aliada, faz-se dela a pior inimiga. Esbarra-se também na questão do estilo de escrita, ou melhor, na maioria dos casos dá-se com a cara na parede. Alguns adoram ser dialéticos e se perderem no infinito de suas próprias alucinações. Outros erraram o caminho do ateliê e insistem em confundir filosofia com arte. Com isso não quero dizer que não possa haver arte na filosofia (pois em filosofia pensa-se o “Belo”), mas sim que esse não é o objetivo da temática filosófica, sobretudo quando “brinca-se” de tornar o texto mais poético e elegante, comprometendo irremediavelmente a compreensibilidade do mesmo.
E nesse contexto surgem as mais violentas contendas por mérito acadêmico. Fazem-se incontáveis textos sobre temáticas já exaustivamente trabalhadas, que não levam a lugar algum, mas que por conta de “mostrar para a turminha” a incrível capacidade de obscurecer um texto, multiplicam-se “ad nauseum”.
E se não bastassem os professores a fazerem essas bizarrices, os inocentes alunos de graduação fazem suas incursões nesse execrável caminho tão logo sintam suas bolsas de iniciação científica ameaçadas por outrem. Lastimável, porém, a mais dura realidade!
E para sustentar o orgulho de “academias”, ou seja, defender timinhos, organizar panelinhas (na linguagem popular), criou-se a “tradição filosófica”. Todos concordam que filosofia não trabalha com dogmas. Mas pelo menos aqui no Brasil, dá-se um “jeitinho brasileiro” para contornar tal problema: troca-se a palavra “dogma” por “tradição filosófica”. Pronto, agora quem ousar ir contra a “tradição filosófica” vai ser execrado, não vai ganhar bolsa, e não vai ter seu artigo publicado em revista, ponto final.
O resultado é que a universidade se transforma em campo de batalha, e verdadeiros “Hooligans” da filosofia são criados todos os dias. Se não se segue o padrão, os Hooligans certamente manifestarão seu ódio em textos amargurados e terrivelmente intrincados, cheios de palavras difíceis, estilosos, senão pomposos, e principalmente: incompreensíveis.
Tendo aqui descrito (ainda que brevemente) a atual situação constrangedora por que passa a nossa Filosofia e visando atingir meu objetivo (a reflexão acerca do assunto abordado), termino minha exposição com o seguinte questionamento:
Por onde anda o “amor ao conhecimento”, a sede pela verdade, e a virtude do “filósofo” atual? No bolso eu sei que não está...